Mel de abelha
Caracterização e legislação brasileira para o mel
O Brasil, por possuir uma grande diversidade florística e climática, é um país que apresenta características muito favoráveis à apicultura que, aliadas à presença das abelhas, especialmente as africanizadas, conferem-lhe um potencial fabuloso para a atividade apícola (OLIVEIRA, 2006).
Mel é o produto alimentício proporcionado pelas Apis melífera L., a partir do néctar das flores ou da eliminação oriunda de partes vivas das plantas ou de ejeção de insetos sugadores de plantas que se encontram sobre partes vivas de plantas, em que as abelhas recolhem, transformam, conciliam com substâncias específicas próprias, conservam e deixam madurar nos favos da colmeia (Brasil, 2000).
Para atender a comercialização e garantir a qualidade do mel, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por meio da Instrução Normativa n° 11 de 20 de outubro de 2000, validou o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Mel, acordando os requisitos mínimos de qualidade que deve exercer o mel proposto ao consumo humano (Brasil, 2000).
O mel é classificado pela legislação vigente (BRASIL, 2000) quanto a sua origem, procedimento de obtenção e apresentação/processamento. Segundo sua origem, se tem: mel floral: obtido dos néctares das flores, que se divide em mel unifloral ou monofloral: quando o produto procede principalmente de flores de uma mesma família, gênero ou espécie e possua características sensoriais, físico-químicas e microscópicas próprias; mel multifloral ou polifloral: obtido a partir de diferentes origens florais e melato ou mel de melato: obtido principalmente a partir de secreções das partes vivas das plantas ou de excreções de insetos sugadores de plantas que se encontram sobre elas. Segundo o procedimento de obtenção de mel, se tem: mel escorrido: obtido por escorrimento dos favos desoperculados, sem larvas; mel prensado: obtido por prensagem dos favos, sem larvas e mel centrifugado: obtido por centrifugação dos favos desoperculados, sem larvas. Segundo sua apresentação e/ou processamento: mel: produto em estado líquido, cristalizado ou parcialmente cristalizado; mel em favos ou mel em secções: produto armazenado pelas abelhas em células operculadas de favos novos, construídos por elas mesmas, que não comporte larvas e seja comercializado em favos inteiros ou em secções de tais favos; mel com pedaços de favo: produto que contém um ou mais pedaços de favo com mel, isentos de larvas; mel cristalizado ou granulado: produto que sofreu um processo natural de solidificação, como consequência da cristalização dos açúcares; mel cremoso: produto com estrutura cristalina fina e que pode ter sido submetido a um processo físico, que lhe proporcione essa estrutura e que o torne fácil de untar; mel filtrado: produto submetido a um processo de filtração, sem alterar o seu valor nutritivo.
O mel é notoriamente o principal produto proveniente da apicultura. Suas características podem ser alteradas de acordo com o tipo de flor utilizada pelas abelhas, clima, solo, umidade, altitude, entre outros, afetando o sabor, a cor e também o aroma do mesmo (VENTURIN et al., 2007).
O mel da região Nordeste está entre os melhores do mundo. A Paraíba não está fora deste cenário, pois ocupa atualmente o segundo lugar regional em relação à estrutura física para beneficiamento de mel (CORREIO, 2016).
Características físico-química do mel
As análises físico-químicas do mel operam papel importante na fiscalização e no controle de qualidade. Desta forma, é permitido comparar os resultados alcançados com padrões citados por órgãos oficiais, preservando o consumidor de comprar um produto adulterado, fraudado ou com manipulação imprópria (Silva et al. 2008; Silva, et al. 2011).
É de fundamental importância a caracterização de méis visando à criação de padrões, segundo os fatores edafoclimáticos e florísticos da região, estabelecendo critérios comparativos nas análises e controlando possíveis fraudes desse produto (SODRE, 2006).
A maior fração da composição do mel é formada por hidratos de carbono, dentre estes os que estão presentes em maior quantidade são a frutose com 38,4 %, a glicose (30,3 %) e a sacarose (1,3 %) (Iurlina & Fritz, 2005).
Há uma grande variabilidade na composição química e física do mel, devido especialmente, das fontes vegetais (origem floral) cujo o mel é elaborado, mas também de diversos fatores, como a espécie da abelha, o solo, o estado fisiológico da colônia, o estado de maturação do mel, as circunstâncias meteorológicas quando da colheita, além das condições de processamento e armazenamento (SILVA et al., 2004; ARRÁEZ-ROMÁN et al., 2006).
A formação química do mel é complexa, contendo mais de 200 substâncias (ARRÁEZ-ROMÁN et al., 2006), sendo assim os carboidratos e a água são os constituintes básicos. Além dos açúcares em solução, o mel também comporta ácidos orgânicos, enzimas, vitaminas, flavonóides, minerais e uma enorme variedade de compostos orgânicos, que contribuem para sua cor, odor e sabor (FINOLA et al., 2007; ESTEVINHO et al., 2012; IGLESIAS et al., 2012).
Sólido solúveis totais
O mel é qualificado por um alto conteúdo dos monossacarídeos glicose e frutose. Em função da pouca solubilidade, a glicose determina a tendência da cristalização do mel, enquanto que a frutose, por ter alta higroscopicidade, possibilita a sua doçura (SEEMANN, 2008).
Dentre os dissacarídeos detectados no mel, a sacarose prevalece, e quando certificadas em valores altos geralmente indica um mel “verde” ou adulterado. É um açúcar não redutor, passível de hidrólise por meio de ácidos diluídos ou enzimas (invertase), resultando nos monossacarídeos, frutose e glicose (VIDAL, 2004).
Os sólidos solúveis correspondem a todas as substâncias que se encontram dissolvidas em um determinado solvente. São constituídos principalmente por açúcares, variáveis com a espécie da planta e o clima. São designados como ºBrix e tem tendência de aumento com a maturação. Os sólidos podem ser medidos no campo ou na indústria, com auxílio de um refratômetro (CHITARRA, 2005).
O teor de sólidos solúveis totais (SST), expresso como percentagem do peso da matéria fresca, apresenta alta correlação com o teor de açúcares de modo positivo e, portanto, geralmente é aceito como uma importante característica de qualidade, e essencial durante a fermentação que é dada por encerrada com a estabilização do mesmo no fermentado e (AULENBACH & WORHINGTON, 1974).
pH
O pH do mel é influenciado pela origem botânica, sendo geralmente inferior a 4,0 para mel de origem floral e superior a 4,5 para os méis de melato. Pode ainda ser influenciado pela concentração de diversos ácidos, cálcio, sódio, potássio e outros constituintes das cinzas (AZEREDO, 2007).
O valor de pH do mel alterna entre 3,4 e 6,1, com uma média de 3,9 (IURLINA; FRITZ, 2005). No entanto, o pH não está diretamente relacionado com a acidez, devido à ação de tamponamento de ácidos e sais minerais encontrados no mel (DE RODRIGUEZ et al., 2004).
O pH determinado no mel refere-se aos íons hidrogênio presentes numa solução e pode influenciar na formação de outros componentes, como na velocidade de produção do hidroximetilfurfural (CARVALHO, 2005).
Acidez
A diversidade e quantidade destes ácidos orgânicos variam em função de diferentes fontes do néctar, pela ação da enzima glicose-oxidase que origina o ácido glutônico, pela ação das bactérias durante a maturação do mel e ainda a quantidade de materiais presentes (ARAÚJO; SILVA; SOUSA, 2006), influenciando diretamente o pH do mel. De acordo com os padrões vigentes de identidade e qualidade (BRASIL,2000), acidez do mel não deve exceder a 50 milequivalentes por quilo de mel.
A acidez é um significativo componente do mel, pois contribui para a sua estabilidade, frente ao desenvolvimento de microrganismos. Os ácidos dos méis estão dissolvidos em solução aquosa e fornecem íons de hidrogênio que promovem a sua acidez ativa, permitindo assim, indicar as condições de armazenamento e ocorrência de processos fermentativos (CRANE, 2007).
Um dos ácidos fundamentais é o glucônico que é gerado pela ação da enzima glicoseoxidase sobre a glicose e está em equilíbrio com a glicolactona (OLAITAN et al., 2007). Esta constância denota a acidez lactônica, isto é, uma reserva potencial de acidez, que juntamente com a acidez livre constitui a acidez total do mel.
Segundo Bogdanov et al. (2010), a glicolactona está diretamente relacionada com a propriedade antimicrobiana do mel.
Os ácidos orgânicos do mel representam menos que 0,5% dos sólidos, tendo um acentuado efeito no flavor, podendo ser responsáveis, em parte, pela ótima estabilidade do mel em frente a microorganismos (PEREIRA, et al., 2003). A legislação tolera acidez máxima de 50 mEq/Kg de mel (BRASIL, 2000).
Umidade
O teor de umidade e a sua atividade de água são os principais fatores que influenciam a preservação da qualidade do produto, principalmente no tocante a degradação microbiológica deste produto (FERRAZ, 2015).
Na composição do mel a água compõe o segundo componente em quantidade, em geral variando de 15 a 21%, dependendo do clima, origem floral e colheita antes da completa desidratação. O conteúdo de água no mel é, sem dúvida, uma das características mais significante, podendo influenciar na sua viscosidade, peso específico, maturidade, cristalização, sabor, palatabilidade e conservação (SEEMANN E NEIRA, 1988 apud MARCHINI et al., 2004). Normalmente o mel maduro tem menos de 18% de água (FRÍAS, 2008).
Os microrganismos os mofílicos (tolerantes ao açúcar), existentes nos corpos das abelhas, no néctar, no solo, nas áreas de extração e armazenamento são capazes de provocar fermentação no mel quando o teor de água for muito elevado (WHITE JÚNIOR,1978 apud MARCHINI; SODRÉ E MORETI, 2004).
Outro ponto a ser abordado é o manejo utilizado para opercular o mel, ou seja, a abelha africanizada (Apis) de uma maneira geral, só opercula o mel quando este já se encontra em ponto de coleta (17% 18% de umidade), o que pode ser particularizado no caso de abelha nativa, a qual opercula os potes de mel com esses apontando ainda uma umidade em torno de 24%. (EVANGELISTA-RODRIGUES et al., 2005). LISTA-RODRIGUES et al., 2005).
O mel deve apresentar no máximo 20 g de umidade/100g de mel analisado (BRASIL, 2000).
Cinzas
Os minerais (cinzas) estão presentes no mel em pequenas quantidades. Os teores de cinzas, em geral, variam de 0,1% (m/m) a 1,0% (m/m) (BOGDANOV, 1999).
O conteúdo de minerais, bem como acidez, pH, proteínas e outras substâncias, estão diretamente relacionadas com a condutividade elétrica do mel. Esta característica pode ser usada como método suplementar de análise da origem do mel (AGANIN,1971¹ apud SODRÉ,2005).
Por meio do método de determinação de cinzas é possível determinar algumas irregularidades no mel, como exemplo a falta de higiene e a não decantação e/ou filtração no final do processo de retirada do mel pelo apicultor (EVANGELISTA–RODRIGUES, 2005).
O máximo de cinzas permitido é de 0,6g/100g de mel, contudo no mel de melato e suas misturas com mel floral tolera-se até 1,2g/100g de mel (BRASIL, 2000).
Hidroximetilfurfural
O uso de HMF (Hidroximetilfurfural) como um padrão de qualidade é fundamentado no fato de que, como este composto em geral é encontrado em pequenas quantidades em meis recém-colhidos (mel fresco), os valores alterosos de HMF podem apontar alterações importantes geradas por armazenamento prolongado em temperatura ambiente alta e/ou superaquecimento, além das adulterações provocadas por adição de açúcar invertido (SILVA et al., 2004).
Segundo Fallico et al. (2004), a formação de HMF ocorre devido a desidratação de hexose catalisada por ácidos, aliada as propriedades químicas do mel (pH, umidade, acidez total e minerais).
O hidroximetilfurfural (HMF) é formado pela reação de certos açúcares com ácidos. Seu conteúdo pode aumentar com a elevação da temperatura, armazenamento, adição de açúcar invertido, podendo também ser afetado pela acidez, pH, água e minerais no mel. É um indicador de qualidade no mel, visto que, quando elevado representa uma queda no seu valor nutritivo, pela destruição, por intermédio de aquecimento de algumas vitaminas e enzimas que são termolábeis.
Os níveis de HMF aceitos pela Comunidade Europeia e pela legislação brasileira são de no máximo 60 mg/Kg (BRASIL, 2000).
Condutividade elétrica
Pesquisas tem demonstrado valores de condutividade elétrica variando entre 66 e 2200 µS.cm-1 (CRECENTE; LATORRE, 1993; ALMEIDA,2002), demonstrado a diversidade das características do mel de acordo com a origem geográfica que é produzido.
A condutividade elétrica pode ser utilizada como um parâmetro suplementar na determinação da origem botânica do mel, tem correlação com o conteúdo de cinzas, pH, acidez, sais minerais, além da proteína e outras substâncias presentes no mel (AGANIN, 1971).
De acordo com Almeida em 2012, a condutividade eléctrica depende do conteúdo em cinzas e ácido do mel. É um bom critério para avaliar a origem botânica de méis monoflorais.
Atividade de água
De acordo com Franco e Landgraf, atividade de água é o parâmetro que estabelece a água disponível no alimento para o metabolismo microbiano. A água que está ligada por forças físicas às macromoléculas, não se encontra livre para agir como solvente ou para fazer parte de reações químicas e, portanto, não pode ser aproveitada pelos microrganismos.
Conforme Robinson & Nigam (2003) as bactérias resistem a valores de atividade de água de até 0,75, as leveduras valores de até 0,62 a 0,64 e os fungos filamentosos desenvolve-se rapidamente com atividade de água inferior a 0,85 e até 0,61.
A água é o segundo composto mais significativo no mel, variando a quantidade de acordo com a época de colheita, fatores climáticos e grau de maturação da colmeia (Finola et al., 2007).
A atividade de água no mel é de 0,5 a 0,6 (Iorlina & Fritz, 2005) e a variabilidade deste elemento interfere na viscosidade do produto (Olaitan et al., 2007). Os méis com uma aw ≤ 0,60 são biologicamente estáveis.
A simples e rápida determinação do teor de água, que é o cálculo realizado pela subtração do valor de sólidos solúveis totais (ºBrix) de 100, comprovou ser suficiente para estimar o risco de fermentação de mel (RAMALHOSA et al., 2011).
De acordo com a legislação portuguesa (Decreto-Lei 214/2003 de 18 de Setembro) o limite máximo de água no mel é 20%.