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Pesquisador da UFPB participa de estudo internacional sobre evolução de serpentes publicado na Revista Science
Há mais de 100 milhões de anos, os ancestrais das primeiras serpentes eram pequenos lagartos que viviam à sombra dos dinossauros. Então, em uma explosão de inovação em forma e função, eles desenvolveram corpos sem patas que podiam deslizar pelo chão, sistemas sensoriais altamente sofisticados — para encontrar e rastrear presas — e crânios flexíveis que os permitiram engolir animais de grande porte.
Estas mudanças prepararam o terreno para a espetacular diversificação das serpentes ao longo dos últimos 66 milhões de anos, permitindo-as explorar rapidamente novas oportunidades que surgiram após o impacto de um asteroide que extinguiu cerca de três quartos das espécies vegetais e animais do planeta, incluindo a maioria das espécies de dinossauros.
Mas o que será que desencadeou a explosão evolutiva da diversidade de serpentes — um fenômeno conhecido como radiação adaptativa — que deu origem a quase 4.000 espécies vivas e fez das serpentes uma das maiores histórias de sucesso da evolução?
Um novo e grande estudo realizado por uma equipe internacional liderada por biólogos da Universidade de Michigan (U-M), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB), entre outras, sugere que a resposta é a velocidade da evolução.
As serpentes evoluíram até três vezes mais rápido que os lagartos, com grandes mudanças nas características associadas à alimentação, locomoção e percepção sensorial, de acordo com o estudo, publicado nesta quinta-feira (22) na revista Science.
"Fundamentalmente, este estudo é sobre o que produz um vencedor evolutivo. Descobrimos que as serpentes têm evoluído mais rapidamente do que os lagartos em alguns aspectos importantes, e esta velocidade de evolução as permitiu tirar partido de novas oportunidades que outros lagartos não conseguiram," disse o biólogo evolucionista da Universidade de Michigan, Daniel Rabosky, autor sênior do estudo da Science, e professor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da U-M.
Ainda de acordo com o docente, "As serpentes evoluíram mais rápido e, ousamos dizer, melhor do que alguns outros grupos. Elas são versáteis e flexíveis e capazes de se especializar em presas que outros grupos não podem usar".
Para o estudo, os pesquisadores geraram a maior e mais abrangente árvore genealógica de lagartos e serpentes, sequenciando genomas parciais de quase 1.000 espécies. Além disso, eles compilaram um enorme conjunto de dados sobre a dieta desses animais, examinando os conteúdos estomacais de dezenas de milhares de espécimes preservados em museus.
Eles analisaram essa montanha de dados com sofisticados modelos matemáticos e estatísticos, apoiados por enorme poder computacional, para analisar a história da evolução de lagartos e serpentes ao longo do tempo geológico e entender como várias características, como a falta de membros, evoluíram.
Essa abordagem multifacetada revelou que, embora outros répteis tenham desenvolvido muitas características semelhantes às das serpentes — 25 grupos diferentes de lagartos também perderam os seus membros, por exemplo — apenas as serpentes experimentaram este nível de diversificação explosiva.
Veja a sucuri, serpente semi-aquática do Brasil, por exemplo. Nome popular dado às serpentes do gênero “Eunectes”, as sucuris podem ultrapassar os 10 metros de comprimento e se alimentam de presas tão grandes quanto uma capivara, o maior roedor vivente, ou até mesmo um veado.
"A presença de grupos morfológicos e ecológicos contrastantes é evidente na diversidade de serpentes, variando desde as pequenas cobras chumbinho (Liotyphlops spp.), que são fossoriais e se alimentam de pequenos invertebrados, passando pelas arborícolas e esguias cobras cipós bicudas (Oxybelis spp.), que se alimentam especialmente de pequenos vertebrados, como lagartos e aves; as serpentes ofiófagas (e.g., as corais verdadeiras Micrurus spp, os colubridae Clelia spp. e Boiruna spp.), que se alimentam de outras serpentes, até as grandes semi-aquáticas Anacondas (Eunectes spp.), que se alimentam inclusive de grandes vertebrados. Esses exemplos destacam a notável capacidade de adaptação das serpentes aos seus respectivos ambientes", destaca Daniel Mesquita, Professor do Departamento de Sistemática e Ecologia (DSE), vinculado ao Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN) da UFPB.
Os autores do estudo da Science se referem a este evento na história evolutiva como uma singularidade macroevolutiva com causas "desconhecidas e talvez incognoscíveis".
Uma singularidade macroevolutiva pode ser vista como uma mudança repentina para uma engrenagem evolutiva superior, e os biólogos suspeitam que essas explosões aconteceram repetidamente ao longo da história da vida na Terra. O surgimento repentino e subsequente domínio das plantas com flores (angiospermas) é outro exemplo.
No caso das serpentes, a singularidade começou com a aquisição quase simultânea (sob uma perspectiva evolutiva) de corpos alongados sem patas, sistemas avançados de detecção química e crânios flexíveis.
Essas mudanças cruciais permitiram que as serpentes, como grupo, perseguissem uma gama muito mais ampla de tipos de presas, ao mesmo tempo que permitiram que espécies individuais evoluíssem para uma especialização alimentar extrema.
Hoje existem serpentes que atacam com veneno letal, pítons gigantes que comprimem suas presas, escavadores com focinho em forma de pá que caçam escorpiões do deserto, serpentes arbóreas delgadas chamadas "dormideiras" que atacam caracóis e ovos de pererecas bem acima do solo, outras com cauda em remo, serpentes marinhas que sondam as fendas dos recifes em busca de ovas de peixes e enguias, e muito mais.
"Um dos nossos principais resultados é que as serpentes passaram por uma mudança profunda na ecologia alimentar que as separa completamente de outros répteis," disse Rabosky. "Se existe um animal que pode ser comido, é provável que alguma serpente, em algum lugar, tenha desenvolvido a capacidade de comê-lo."
Para o estudo, os pesquisadores analisaram as preferências alimentares das serpentes com observações de campo e registros do conteúdo estomacal de mais de 60 mil espécimes de serpentes e lagartos, principalmente de museus de história natural. Os museus contribuintes incluíram o Museu de Zoologia da Universidade de Michigan, que abriga a maior coleção de pesquisa de espécimes de serpentes do mundo, a Coleção Herpetológica da UnB, uma das maiores do país e a Coleção Herpetológica da UFPB, uma das maiores do Nordeste do Brasil, com mais de 35.000 exemplares e 6.000 tecidos depositados.
Os 20 autores do estudo são de universidades e museus dos Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Austrália e Finlândia.
O estudo foi apoiado por várias agências de financiamento, incluindo vários subsídios da Fundação Nacional de Ciência dos EUA.