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Importância das universidades públicas durante a pandemia e da adoção do passaporte vacinal são destaques em Aula Magna com neurocientista Miguel Nicolelis

Palestra foi promovida pelo Fórum de Diretores(as) de Centros de Ensino da UFPB
publicado: 25/02/2022 14h57, última modificação: 25/02/2022 14h57

Um dos cientistas brasileiros mais renomados no mundo e um dos maiores pesquisadores sobre Covid-19, Miguel Nicolelis foi o convidado da Aula Magna que deu início ao semestre letivo 2021.2 da UFPB, evento realizado ontem (24) pelo Fórum de Diretores(as) de Centros de Ensino da instituição. 

O evento ocorreu por meio do canal no YouTube do Centro de Educação da UFPB e contou com a participação de centenas de servidores e de estudantes da universidade, interessados em conhecer ainda mais a realidade da pandemia e as perspectivas da ciência para o contínuo enfrentamento à SARS-CoV-2. 

O evento teve como mediador o diretor do Centro de Biotecnologia (CBIOTEC), Jailson Rocha e, como mestre de cerimônia, o vice-diretor do Centro de Educação (CE), Roberto Rodon. 

O Fórum de Diretores/as de Centros da UFPB é um espaço de diálogo coletivo sobre os desafios e as inúmeras possibilidades da instituição, de modo a contribuir para o fortalecimento da universidade pública, gratuita e de qualidade, que congrega 16 Centros de Ensino. 

 

Sobre a Palestra 

Com o tema 'O impacto da pandemia da Covid-19 nas universidades brasileiras', Miguel Nicolelis iniciou a palestra falando que “entramos para a história das grandes pandemias da humanidade certamente de uma maneira muito peculiar porque, nunca antes na história do mundo, estivemos, enquanto espécie, tão preparados do ponto de vista tecnológico e médico pra enfrentar uma pandemia, e nunca, provavelmente, falhamos de maneira tão dramática.” Ele explicou que a pandemia expôs, de forma muito específica, as fragilidades do modelo econômico, social e político do mundo pós-moderno. 

Nicolelis afirmou que essas fragilidades foram ainda maiores porque a ciência é abnegada pela sociedade e pelos agentes do poder. O cientista cita, como exemplo, a ciência brasileira que é repetidamente deixada de lado pela maior parte da população e citou uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) demonstrando que 87% dos brasileiros não sabem nominar nenhuma instituição de pesquisa do país e que 94% não conhecem o nome de nenhum cientista do Brasil. 

É nesse contexto, ressalta o palestrante, que “de repente ela [a ciência] é levada a público pra dizer como sair da pandemia. A ciência tinha que dizer coisas que os governos não sabiam falar e que donos de grandes instituições não faziam a menor ideia.” Ele destacou que os pesquisadores ganharam voz como comunidade científica, mas como tudo tem seu lado bom e seu lado negativo, aqui no Brasil, aconteceu algo único: começou-se a discutir política de combate à pandemia no YouTube com pessoas que até podem ter títulos, mas que não têm nenhuma experiência de manejo de pandemia, nem de ciência de alto nível, nem de fazer ciência de guerra de uma pandemia, a qual requer a tomada de decisões feita em questão de horas e remetidas às autoridades para providências. Essa disseminação de informações por pesquisadores sem experiência falando sobre a pandemia acabou por atrapalhar ainda mais o combate à desinformação e influenciaram erroneamente a tomada de decisão de muitos gestores, em diversos momentos.

Ainda de acordo com o pesquisador, o lado bom de a comunidade científica ter agora o espaço para discutir ciência, em especial, na mídia, é que a sociedade brasileira descobriu que há cientistas articulados que sabiam e sabem o que dizer e que podem sugerir ações imediatas, bem como a médio e longo prazo, inclusive para os gestores que não sabem o que fazer diante de uma pandemia dessa magnitude. Nicolelis salientou também que a sociedade pode visualizar, em certa medida, que o Brasil tem uma das maiores redes públicas de universidades e centros de pesquisa do planeta e que essas redes são capilarizadas, fato que impactou profundamente para contribuir com os avanços que temos tido no combate ao novo coronavírus. Ele lamenta que apesar da exposição, “essa grande rede de colaboração voluntária da academia brasileira de múltiplas universidades que tem um poder imenso para o combate e manejo da pandemia”, ainda é pouco divulgada, mas sem dúvida impactaram decisivamente para evitar outras milhares de mortes.

Na oportunidade, Miguel Nicolelis, que foi coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, criado em março de 2020 para viabilizar parcerias entre os nove estados da região no combate à pandemia, também evidenciou a importância de se ter comitês científicos espalhados no país e citou o grande trabalho desenvolvido pelos pesquisadores do Comitê Nordeste: “Estávamos falando ao público quase que diariamente. Produzíamos conteúdo para importantes canais de imprensa pra mostrar o que tava acontecendo no Brasil como um todo e, no Nordeste, com um certo destaque. Curiosamente, durante seis meses, nós colocamos o Nordeste na pauta da TV brasileira  devido ao grau de especialização das análises realizadas por pesquisadores de instituições públicas dessa região, inclusive influenciando decisões políticas importantes e necessárias por todo o país.”

Outro ponto apresentado pelo neurocientista, durante a Aula Magna, foi a questão de as universidades brasileiras descobrirem que poderiam colaborar dentro de si mesmas, mesmo com as portas estando “fechadas”, mesmo com as aulas sendo virtuais e apesar da sobrecarga que todos os pesquisadores enfrentaram e enfrentam. 

Mais um aspecto de relevância apontado por Miguel Nicolelis foi o da importância do acoplamento das universidades públicas brasileiras, dos hospitais universitários (HUs) e do Sistema Único de Saúde (SUS). Para ele, se esse acoplamento não existisse, apesar de todas as deficiências que se apresentam, a tragédia seria muito pior no Brasil. “É preciso esse entendimento sobre a importância do acoplamento das universidades com os HUs e com o SUS para entender que sem a rede de universidades federais produzindo ciência, estimativas, recomendações de políticas públicas, auxiliando em meio aos vários apagões de dados oficiais para mostrar o que estava acontecendo, sem elas a gente não teria as pontes feitas pelos HUs com o SUS.” 

O pesquisador disse ainda não ter dúvidas de que o capítulo da história da ciência brasileira vai ser registrado como uma grande vitória do modelo de ciência pública distribuída por universidades públicas federais, com hospitais públicos ligados com um serviço de saúde público. Ele chamou a atenção para a necessidade de grandes investimentos contínuos para essas instituições e falou que os pesquisadores têm muito ainda o que aprender com essa experiência da pandemia e aproveitar, de maneira correta e contida, essa “voz” que foi dada à ciência. “É fácil permanecer no espaço durante a crise. O duro é ficar quando a crise passa. Pra permanecer, a ciência brasileira tem que dar um salto e a população não pode esquecer a importância e a necessidade da ciência”. E completou: “Temos que desburocratizar a ciência, dar um novo olhar até mesmo no jeito de ensinar. O Brasil tem o seu próprio modelo de fazer ciência, não precisa imitar de nenhum país e já mostramos que somos capazes. Além disso, não se pode pensar um projeto de nação sem inserir o papel indispensável da ciência”. 

Nicolelis lamentou os erros cometidos em várias frentes, como a adesão tardia à vacina e os ataques aos pesquisadores por grupos radicais, como os antivacinas e os negacionistas. “Infelizmente o Brasil se atrasou na adesão às vacinas. Vamos completar, agora dia 26, dois anos com quase 650 mil mortes e poderia ser muito, mas muito pior se não tivéssemos tido as vacinas em 2021. E introduzir múltiplas vacinas eficazes em um ano foi um dos maiores feitos da medicina em toda a história da humanidade. Triste também é ver que nós cientistas temos sofrido ameaças por grupos antivacinas e negacionistas pelas redes sociais e e-mails institucionais”. 

Em relação ao retorno às aulas presenciais nas universidades, o pesquisador afirma ser essencial a obrigatoriedade do passaporte vacinal, o uso correto de máscaras e todas as devidas ações sanitárias, como a utilização do álcool 70%. “Temos que pensar quando se fala sobre isso em várias vertentes. Por exemplo, é bom deixar bem claro que a imunidade de rebanho, ao contrário do que se pensa, é conquistada não por infecção, mas por vacinação e, que um governo que tem essa mentalidade, de que é melhor todos se infectarem de uma vez, é eticamente criminosa. Outra questão é de que não se pode comparar os ambientes das universidades com os de bares, de restaurantes ou de shoppings, por exemplo. As salas de aulas, muitas fechadas porque foram construídas para funcionarem com ar condicionados, então com pouca ventilação, têm uma densidade muito diferente de pessoas que ficarão juntas, em um número muito maior de horas. Lembrando que uma pessoa pode infectar uma sala inteira. Mais uma questão: a Ômicron, apesar de alguns discursos fatídicos, não tem nada de leve, e os números de mortes de não vacinados e de infectados estão aí pra gente ver, sem contar a grande subnotificação que, no Brasil, é de aproximadamente dez vezes o valor que conhecemos, segundo pesquisas da Universidade de Washington (EUA). Existe uma narrativa no mundo inteiro de que a pandemia está acabando e muitos estão relaxando as medidas farmacológicas, mas a Õmicron é um dos vírus mais transmissíveis da história e não temos a menor ideia de como esse vírus continuará se comportando e por isso não podemos saber quando chegaremos ao fim da pandemia, principalmente porque já temos outras variantes circulando. Por tudo isso que apresentei não há o que se discutir sobre a necessidade do passaporte vacinal. Ele é essencial.” 

Miguel Nicolelis finalizou a palestra lembrando que o vírus da desinformação, que enfrentamos paralelamente à pandemia, tem sido tão grave quanto, pois dificulta a adesão de pessoas e autoridades às medidas únicas e capazes de combater essa pandemia. 

 

Sobre Miguel Nicolelis  

Miguel Angelo Laporta Nicolelis é um médico e cientista brasileiro, considerado um dos vinte maiores cientistas em sua área no começo da década passada pela revista de divulgação Scientific American.  

Foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 2009.[4] Nicolelis foi o primeiro cientista a receber no mesmo ano dois prêmios dos Institutos Nacionais de Saúde estadunidenses e o primeiro brasileiro a ter um artigo publicado na capa da revista Science.  

Lidera um grupo de pesquisadores da área de Neurociência na Universidade Duke (Durham, Estados Unidos), no campo de fisiologia de órgãos e sistemas. Seu objetivo é integrar o cérebro humano com máquinas (neuropróteses ou interfaces cérebro-máquina). Suas pesquisas desenvolvem próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia corporal.  

Nicolelis e sua equipe foram responsáveis pela descoberta de um sistema que possibilita a criação de braços robóticos controlados por meio de sinais cerebrais. 

 

Reportagem: Débora Freire